terça-feira, 13 de março de 2012

Há uma bolha no Brasil?

SOBRE black blocs, justiceiros e a República de Weimar


Eu tenho alunos black blocs. Eles poderiam ser meus filhos. Eu sou pai, gosto de dar aulas, aprecio a juventude e faço amizades com meus alunos. O que eu venho dizendo aos meus alunos black blocs? Em primeiro lugar, que parem com isso. Constitui uma estupidez construir uma milícia de esquerda sem, em algum momento, abrir o caminho para o surgimento de uma milícia fascista. Eu gostaria de poder interromper livremente os assuntos do programa escolar para lhes prevenir o quão terríveis são as milícias de direita e as desgraças que elas já causaram. Eu apelaria para que não despertassem monstros adormecidos. Tenho sugerido que utilizem os métodos democráticos, que escrevam textos, façam reuniões, comícios e passeatas. Que fundem partidos políticos como a minha geração fez. Tenho contado a eles a experiência da guerrilha urbana e mostrado quanto sacrifício foi feito para marcar um gol contra. Insisto que não se devem esquecessem dos livros, pois todo idealismo é passível de degenerar em barbárie quando não é esclarecido.

Eu não tenho amigos justiceiros. Acho que não tenho, pois é óbvio que um justiceiro nunca se apresentaria como tal. Será que eu poderia ter amigos justiceiros? Talvez, afinal eu tenho amigos liberais, conservadores, trotskistas, socialdemocratas, libertários, católicos ultramontanos e progressistas, judeus liberais e religiosos, evangélicos, gays e maconheiros entre outros. Talvez, me esforçando um pouco, eu conseguisse compreender a mentalidade de um policial honesto, vendo-se cercado por todos os lados e ainda combatido duramente por parte da sociedade pela qual arrisca a sua vida. Talvez assistisse Tropa de Elite para tentar entendê-lo.

Se eu tivesse esse amigo justiceiro eu lhe diria o que foi o nazismo e o fascismo e os horrores que geraram. Eu tentaria lhe mostrar no que deram todas as tentativas de impor a ordem social por meios autoritários. Eu lhe diria para confiar apenas na democracia. Que não dispomos de nada melhor para manter a ordem social com o mínimo de custo em termos de vidas e de liberdades individuais. Diria que o crime pode e deve ser combatido com sucesso por uma polícia profissional.

Tanto para o meu aluno black bloc quanto para o meu amigo imaginário justiceiro eu gostaria de contar a história da República de Weimar. Explicaria que na Alemanha, depois da derrota na Primeira Guerra, a monarquia acabou e nasceu a tal República de Weimar. Ela despertou grandes esperanças, mas foi logo sacudida pela crise econômica e pela hiperinflação. Terminou sendo a República que ninguém defendeu e deu lugar ao mais criminoso regime político que já existiu: o III Reich.

Duas forças foram as responsáveis diretas pela desestabilização política do país: os comunistas e os nazistas. Os comunistas partiram para uma luta direta pela revolução, recusaram-se a colaborar com os socialdemocratas, com os quais poderiam ter formado um governo conjunto! Eles preferiram fazer uma intensa campanha classificando os socialdemocratas como “socialfascistas” e realizaram ações para desestabilizar o seu governo. Qualquer semelhança com PSOL, PSTU, PCO e black blocs é mero atraso histórico.  Do outro lado, os nazistas foram ganhando apoio, entre outras coisas, porque eram os únicos que conseguiam enfrentar os comunistas na luta de rua. Os argumentos, os livros, os debates, os comícios passaram a valer cada vez menos. Importantes eram os jovens fortes, cheios de músculos e testosterona, dispostos a dar a vida por uma utopia social, que, invariavelmente, terminou na catástrofe humanitária do fascismo ou do comunismo.

Aqui temos alguns complicadores com relação a Weimar. O governo socialdemocrata não é lá muito anjinho. Parte dele quer controlar a imprensa, parte quer revanche contra os militares, parte quer atacar o direito de propriedade e há uma tendência generalizada a quebrar e ignorar regras para uma competição eleitoral justa. Para complicar, há uma tolerância infinita à corrupção e um profundo ressentimento social quanto a isso. Não bastasse, podemos ter pela frente uma crise econômica.


A violência política não se generalizou no Brasil. Ainda. Vamos todos recuar um passo. Todos temos tempo para recuar. Não há outra atitude humana a tomar. Justiceiros agem fora da legalidade. Podemos compreender, mas não muda o fato de que é um crime com punições duras já previstas na lei. As penas existem para ser aplicadas. Mas a mesma mão dura que deve cair sobre os justiceiros deve pesar também sobre os black blocs. Eles que recuem a tempo, que saiam de costas fingindo que estão entrando, repensem, mudem seus métodos e reapareçam sem máscaras e com textos, panfletos, jornais, discursos e convocando suas reuniões. A polícia deve agir com transparência e absoluto respeito à lei e normas profissionais democráticas. Se Weimar cair, seja maldito todo aquele que não a defendeu.

terça-feira, 6 de março de 2012

O tsunami que pode afogar os keynesianos

A presidente Dilma tem reclamado insistentemente do tsunami monetário desencadeado pelos países desenvolvidos. Não sem razão. Desde que a crise estourou, há quatro anos, os bancos centrais dos Estados Unidos, União Européia, Reino Unido e Japão criaram US$ 8,8 trilhões em moeda nova. Representa uns PIBs do Brasil. Esta injeção ocorreu, essencialmente, para socorrer bancos ameaçados por devedores inadimplentes, sejam eles compradores de casas nos Estados Unidos ou Estados europeus.

Mas, por que os bancos centrais (ou seja, os próprios Estados) deveriam se preocupar em socorrer bancos? Segundo as regras capitalistas não deveria falir aquele que fez maus investimentos? Como justificar que os lucros (altos) dos bancos sejam assunto privado quando as coisas vão bem e assunto público quando há um grande prejuízo a ser socializado? Para tranquilidade dos leigos, há teorias econômicas que explicam isto. Do ponto de vista da teoria keynesiana, por exemplo, uma crise bancária geral causaria uma longa depressão econômica. Nesta ótica, o socorro aos bancos é justificado como medida de utilidade pública. Os trilhões derramados protegeriam não apenas os bancos, mas toda a economia, mesmo que esses trilhões sejam derramados enquanto os americanos perdem suas casas e os gregos os seus empregos. Um keynesiano diria que as coisas seriam ainda piores sem o socorro aos bancos.

Entretanto, o mesmo tsunami keynesiano que, teoricamente, salva as economias desenvolvidas promove algumas maldades pelo mundo afora. Os que recebem esses recursos pagando juros baixíssimos, sempre resolvem fazer um dinheirinho extra aplicando em países emergentes, nos quais os juros são muito mais altos. Entre estes países, a moda do momento é o Brasil. O tsunami de socorro bancário mundial vira, no Brasil, um tsunami de entrada de capital estrangeiro.

Na fase do ciclo em que o capital começa a entrar, ocorre um súbito milagre. Como há mais dinheiro no país, os juros caem, o crédito aumenta, o consumo cresce e o investimento o segue. O desemprego diminui e o poder de barganha dos trabalhadores aumenta. Os preços sobem, sobretudo dos serviços e dos bens que não podem ser importados, o que prejudica alguns, mas beneficia muitos outros.

Como tudo na vida tem um lado chato, a entrada de moeda estrangeira faz cair o dólar. O resultado é que nossas exportações industriais sofrem com o câmbio valorizado. O risco passa a ser um déficit nas contas externas. Mas, felizmente, no caso do Brasil os exportadores de minérios e o agro-negócio beneficiam-se com o crescimento asiático e o boom que ele provoca nos preços desses bens, compensando amplamente os efeitos negativos do câmbio. Mas o consumidor pode se deliciar com o consumo de importados e com as viagens internacionais, finalmente acessíveis a quase todos. A classe média cresce. Os industriais ficam um pouco aborrecidos com o problema do câmbio mas, como o mercado interno está em expansão, sempre se acha um jeito. E quase todos estão felizes.

O resultado político é majestoso. O governo é bem avaliado e tido como responsável por tudo. A oposição definha, fica intimidada, sem discurso e sem projeto. Uns poucos radicais começam a sonhar com hegemonia absoluta, o que é muito engraçado, porque o fato gerador dessa autoconfiança inesperada é a entrada de capital "imperialista".

Mas, conforme o ingresso de capitais vira invasão desenfreada, os problemas vão ficando mais evidentes enquanto os benefícios, aos poucos, desaparecem. Profissionais podem surfar ondas difíceis, inacessíveis aos mortais comuns, como devem ser as do Havai. Mas eles não podem surfar tsunamis.

Diante do tsunami, o governo dá sinais de nervosismo. Neste sentido, os jornais desta terça (06/03/2012) estiveram mesmo muito interessantes. A presidente Dilma culpa os países desenvolvidos pelo baixo crescimento do PIB brasileiro. Ela tem alguma razão, embora tenha, no passado, se esquecido de agradecer esses países e seus bancos centrais pela ajuda involuntária na sua própria eleição. Em 2010, o PIB brasileiro cresceu 7,5% impulsionado, entre outras coisas, pela então onda havaiana de investimento internacional.

Melhor ainda é a resposta/pergunta de Angela Merkel diante das queixas apresentadas pela presidente Dilma: "O que você gostaria que fizéssemos?". A presidente Dilma, no passado recente, pontificou sobre o tema: usar a política fiscal, algo como um grande bolsa família. Mas, a recomendação de relaxar a política fiscal não constou da resposta que Dilma deu a Merkel desta vez. Como sugerir que países como Grécia, Portugal, Espanha, Itália, França e outros aumentem gastos públicos ou reduzam impostos, se as suas dívidas são, nos dias de hoje, o centro do problema?

Nesta conversa, a presidente Dilma ficou diante de um dilema de coerência capaz de causar uma boa dissonância cognitiva. Se resolver preservar a boa doutrina keynesiana, nada há de muito fundamental a criticar no que os bancos centrais dos países desenvolvidos fizeram. Problemas de procedimentos, velocidade de esterilização e outros detalhes técnicos que são menores diante do acerto fundamental do socorro para evitar depressão. O outro caminho seria abandonar a perspectiva keynesiana (tão cara aos economistas petistas e tão constitutivas do seu pensamento) para que sua crítica fosse consistente.

Se bem conheço políticos profissionais, sei que escolhas eles fazem quanto têm que optar entre o valor intrínseco das idéias ou a conquista de votos e do poder. Nem sei se devemos reclamar disso pois, possivelmente, os políticos não seriam bons no que fazem se não agissem assim. Consequentemente, os keynesianos têm motivos para preocupações, pois o seu capital intelectual poderá sofrer uma grande desvalorização muito em breve.

O professor Belluzzo, que é um dos keynesianos mais importantes e respeitados, publicou um artigo no Valor no qual diz que "...Keynes jamais receitou déficits a torto e a direito." Sim, é verdade. Mas não tenho nenhuma lembrança importante de um keynesiano de boa cepa recomendando austeridade fiscal. Eu me pergunto, neste exato momento, qual seria a recomendação do professor Belluzzo aos governos europeus? Austeridade? Eu adoraria que ele dissesse isso.

Keynesianos geralmente propõem a teoria de que a poupança é um resíduo macroeconômico, determinado, basicamente, pelo quanto se investe. Crescimento se faria não com poupança (que até mesmo o destrói), mas com crédito, fomento estatal, emissão monetária, déficit público, expansão de moeda e endividamento público e privado, interno e externo. Os historiadores do futuro terão que esclarecer seus contemporâneos sobre a relação entre estas idéias e o ponto a que chegamos.

Eu confesso que sempre tive muita dificuldade com tudo isso. Não que lembro em que momento faltou demanda agregada em 2007 ou 2008 para a crise começar. O que me lembro é que havia uma euforia desenfreada de crédito e consumo que acabou, meio subitamente, quando a bolha imobiliária estourou. Ah, sim, disseram-me que foi a falta de regulação... Boa regulação é importante, mas foi por falta de regulação que os Estados (assim, com letras maiúsculas, como gostam hegelianos e keynesianos) europeus se endividaram em demasia?

Chegamos a uma situação na qual nós, economistas, faríamos um grande bem à sociedade se aceitássemos reexaminar nossas teorias. Claro que isso implica reconhecer alguma desvalorização no capital intelectual acumulado ao longo de muitos anos de estudo. Mas, sempre que alguém investe na direção errada, perde capital. Tanto faz se a direção errada foi uma casa super-avaliada, um título público que não será pago ou uma teoria que vai perecer. Os economistas acumularam muitos e variados conhecimento úteis e geniais, mas alguma tralha pode ter vindo junto. Capitais assim perdidos não viram poupança social de tipo algum. Mas as casas ainda estão lá, os países e seus povos também e temos muito conhecimento econômico para lidar com os problemas. Seria prudente começar por alguma faxina nos balanços dos bancos, no dos governos e nas nossas idéias econômicas.