SOBRE black blocs, justiceiros e a República de Weimar
Eu tenho alunos black blocs.
Eles poderiam ser meus filhos. Eu sou pai, gosto de dar aulas, aprecio a
juventude e faço amizades com meus alunos. O que eu venho dizendo aos meus
alunos black blocs? Em primeiro
lugar, que parem com isso. Constitui uma estupidez construir uma milícia de
esquerda sem, em algum momento, abrir o caminho para o surgimento de uma
milícia fascista. Eu gostaria de poder interromper livremente os assuntos do
programa escolar para lhes prevenir o quão terríveis são as milícias de direita
e as desgraças que elas já causaram. Eu apelaria para que não despertassem
monstros adormecidos. Tenho sugerido que utilizem os métodos democráticos, que
escrevam textos, façam reuniões, comícios e passeatas. Que fundem partidos
políticos como a minha geração fez. Tenho contado a eles a experiência da
guerrilha urbana e mostrado quanto sacrifício foi feito para marcar um gol
contra. Insisto que não se devem esquecessem dos livros, pois todo idealismo é passível
de degenerar em barbárie quando não é esclarecido.
Eu não tenho amigos justiceiros. Acho que não tenho, pois é
óbvio que um justiceiro nunca se apresentaria como tal. Será que eu poderia ter
amigos justiceiros? Talvez, afinal eu tenho amigos liberais, conservadores, trotskistas,
socialdemocratas, libertários, católicos ultramontanos e progressistas, judeus
liberais e religiosos, evangélicos, gays e maconheiros entre outros. Talvez, me
esforçando um pouco, eu conseguisse compreender a mentalidade de um policial
honesto, vendo-se cercado por todos os lados e ainda combatido duramente por
parte da sociedade pela qual arrisca a sua vida. Talvez assistisse Tropa de
Elite para tentar entendê-lo.
Se eu tivesse esse amigo justiceiro eu lhe diria o que foi o
nazismo e o fascismo e os horrores que geraram. Eu tentaria lhe mostrar no que
deram todas as tentativas de impor a ordem social por meios autoritários. Eu
lhe diria para confiar apenas na democracia. Que não dispomos de nada melhor
para manter a ordem social com o mínimo de custo em termos de vidas e de
liberdades individuais. Diria que o crime pode e deve ser combatido com sucesso
por uma polícia profissional.
Tanto para o meu aluno black
bloc quanto para o meu amigo imaginário justiceiro eu gostaria de contar a
história da República de Weimar. Explicaria que na Alemanha, depois da derrota
na Primeira Guerra, a monarquia acabou e nasceu a tal República de Weimar. Ela
despertou grandes esperanças, mas foi logo sacudida pela crise econômica e pela
hiperinflação. Terminou sendo a República que ninguém defendeu e deu lugar ao
mais criminoso regime político que já existiu: o III Reich.
Duas forças foram as responsáveis diretas pela
desestabilização política do país: os comunistas e os nazistas. Os comunistas partiram
para uma luta direta pela revolução, recusaram-se a colaborar com os socialdemocratas,
com os quais poderiam ter formado um governo conjunto! Eles preferiram fazer
uma intensa campanha classificando os socialdemocratas como “socialfascistas” e
realizaram ações para desestabilizar o seu governo. Qualquer semelhança com
PSOL, PSTU, PCO e black blocs é mero
atraso histórico. Do outro lado, os
nazistas foram ganhando apoio, entre outras coisas, porque eram os únicos que
conseguiam enfrentar os comunistas na luta de rua. Os argumentos, os livros, os
debates, os comícios passaram a valer cada vez menos. Importantes eram os
jovens fortes, cheios de músculos e testosterona, dispostos a dar a vida por
uma utopia social, que, invariavelmente, terminou na catástrofe humanitária do fascismo ou do comunismo.
Aqui temos alguns complicadores com relação a Weimar. O
governo socialdemocrata não é lá muito anjinho. Parte dele quer controlar a
imprensa, parte quer revanche contra os militares, parte quer atacar o direito
de propriedade e há uma tendência generalizada a quebrar e ignorar regras para uma
competição eleitoral justa. Para complicar, há uma tolerância infinita à
corrupção e um profundo ressentimento social quanto a isso. Não bastasse,
podemos ter pela frente uma crise econômica.
A violência política não se generalizou no Brasil. Ainda. Vamos
todos recuar um passo. Todos temos tempo para recuar. Não há outra atitude
humana a tomar. Justiceiros agem fora da legalidade. Podemos compreender, mas
não muda o fato de que é um crime com punições duras já previstas na lei. As penas existem para
ser aplicadas. Mas a mesma mão dura que deve cair sobre os justiceiros deve pesar também sobre os black blocs. Eles que recuem
a tempo, que saiam de costas fingindo que estão entrando, repensem, mudem seus
métodos e reapareçam sem máscaras e com textos, panfletos, jornais, discursos e
convocando suas reuniões. A polícia deve agir com transparência e absoluto
respeito à lei e normas profissionais democráticas. Se Weimar cair, seja
maldito todo aquele que não a defendeu.