quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Há algo de especial na Alemanha


Quando a Segunda Guerra acabou, em 1945, a Alemanha era um país destruído. Aliás, nem era um país pois não possuía governo próprio e estava dividida em quatro áreas de ocupação militar estrangeira. Desses quatro governos militares emergiram dois países diferentes, um deles uma ditadura comunista. Menos de setenta anos depois, a Alemanha está reunificada e parece ser o país desenvolvido mais bem sucedido e adaptado ao desafio chinês. Sua economia, há muito tempo uma das maiores do mundo, vem conseguindo gerar alto padrão de vida para a população sem perder sua competitividade.

No mundo globalizado, para ganhar bem e impedir que o seu emprego migre para a China é preciso ser muito produtivo. A Alemanha consegue isso por alguns fatores relevantes. O mais óbvio deles é a disponibilidade de recursos: há trabalhadores capacitados e há empresários com experiência. Menos óbvio é o papel das instituições e, nesse campo, os alemães parecem estar um passo à frente.

Após construir uma reputação de país praticante da austeridade fiscal e monetária, a Alemanha hoje colhe os frutos da sua prudência. Como os aumentos salariais foram comedidos e a produtividade subiu constantemente, os empregos industriais vêm se mantendo, mesmo diante dos baixos custos chineses. O mesmo não se pode dizer de outros países (desenvolvidos ou não) nos quais o consumo se expandiu acima da produtividade. A mágica é possível por alguma das seguintes medidas ou por um coquetel delas:  1) expansão do crédito; 2) aumento dos gastos públicos; 3) manutenção do câmbio valorizado e 4) aumento da oferta de moeda.

As quatro medidas mencionadas têm em comum o fato de aumentar a renda das pessoas sem que elas precisem tornar-se mais produtivas na mesma medida. Parece milagroso e o governo que age assim geralmente conquista grande popularidade. O problema são os resultados no longo prazo. Pois a expansão do crédito endivida parte da população e expõe os bancos, o aumento dos gastos públicos aumenta a dívida pública ou os impostos, (o que reduz renda e consumo) e todas as quatro juntas pioram as contas externas. Pois mais renda significa, automaticamente, maior importação de bens e serviços.
As democracias parecem ter uma propensão para essas políticas econômicas arriscadas. Aumentar a renda, mesmo aumentando dívidas e riscos, é sempre popular. Os eleitores nem sempre compreendem todas as implicações de longo prazo das medidas. Não fica claro para quase ninguém que um aumento exagerado das rendas hoje será uma crise externa uns quinze anos depois.
         Não conheço tão bem a Alemanha, mas não consigo evitar de pensar que os países, assim como as pessoas, devem aprender com os seus erros. Depois de passar por doze anos de ditadura nazista e, uma parte do país viver os outros quarenta e cinco sob ditatura comunista, creio que os alemães desenvolveram alguns anticorpos para credos políticos que prometem o paraíso em suaves prestações. Sabem, por experiência, que é melhor o estado fazer só a sua parte e que seja não apenas democrático mas também não-gastador e não-emissor irresponsável de moeda. Talvez a austeridade fiscal e monetária só seja possível na Alemanha porque não é fácil iludir com promessas mágicas de riqueza de curto prazo, ainda que garantidas por uma religião social nacionalista ou socialista.
         Adicionalmente, se os políticos nada ganham proclamando algum evangelho social perante um eleitorado vivido e realista, o que lhes resta é competir sobre quem tem a melhor filosofia de gestão. Mas, se os políticos competem assim, devidamente restringidos, toda a sociedade ganha, pois os cidadão têm melhores serviços públicos e os empresários contam com ambiente de negócios, infraestrutura e instituições adequadas. Os próprios políticos honestos ganham porque não precisam lidar com adversários populistas.
         Eu desejo ardentemente que nenhum pais precise passar pelo que passou a Alemanha para alcançarem tal sabedoria. As crises dos Estados Unidos e da Grécia poderiam bastar.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Brasil de volta ao protecionismo

As consequências da política econômica da era PT começam a ficar claras. Hoje o jornal noticia que o Brasil acaba de pedir à China que reduza voluntariamente as suas exportações. Com medidas como essa, estamos voltando ao protecionismo, assustados com a re-especialização agro-mineral das exportações brasileiras. O recente desenvolvimento desse perfil exportador é um fato explicado em qualquer manual introdutório de teoria econômica. As economias exportam os bens nos quais possuem custos (relativos) menores, abundância (relativa) de insumos ou vantagens de escala, fora o caso de algum produto com diferenciação notória, como o vinho francês, por exemplo. Os bens e serviços que tem as características inversas, serão importados, sempre que isso seja possível. A teoria econômica prevê (e acerta)  que o Brasil teria sua especialização em minérios, produtos agrícolas, indústrias muito ligadas à agricultura, como bebidas e alimentos e alguns setores para os quais haja vantagens de escala (como o automobilístico ou aeroespacial). Para a China, abundante em trabalho de baixa qualificação e escassa (relativamente) em recursos naturais, a indústria é a vocação natural.

Mas, reagir a este fato com uma recaída na política protecionista é um grave erro, com consequências nefastas. Os impactos negativos serão muitos: 1) os produtos ficarão mais caros, quer venham a ser oferecidos por fabricantes nacionais ou importados; 2) pagando mais caro, os consumidores desses produtos terão menos renda para outros produtos ou serviços; 3) empresas terão seus custos de produção aumentados quando comprarem importados; 4) criação de um mercado protegido para produtos de menor qualidade incapazes de competir na economia mundial; 5) desvio da energia de muitas empresas para a atividade lobística. Para que se entenda como este último item pode ser nefasto, vamos lembrar que, se o governo arbitra quais setores serão protegidos, as empresas ficarão motivadas s gastar com advogados e políticos para obter proteção, desviando recursos que em outro ambiente seriam usados para inovar, reduzir custos ou melhorar qualidade. As pessoas mais velhas ainda lembram-se do nosso mercado protegido no qual a qualidade dos produtos era baixa e os preços, bem os preços subiam todos os dias...

A única política eficiente para defender um setor industrial passa por contar com trabalhadores que trabalhem a um custo viável. O que quero dizer pode ser mais bem explicado por um exemplo: se no país A um trabalhador produz 10 unidades por hora enquanto do país B outro trabalhador produz só 1, uma multinacional será indiferente entre pagar US$ 10 ao trabalhador de A ou US$ 1 ao trabalhador de B, porque nos dois casos o custo de produzir 1 unidade do bem terá sido um US$1. Mas o trabalhador de A perde seu emprego se cobrar US$ 10 e produzir apenas 9, tanto quando o trabalhador de B perde o seu se continuar a produzir 1, mas quiser receber US$ 1,50.

A conclusão é que para melhorar de renda e ainda manter o emprego industrial é preciso que o aumento de renda seja acompanhado de aumento da produtividade. Esse caminho para um povo enriquecer é duro, pois tudo nele é trabalho, estudo, disciplina, persistência e comedimento. Os alemães têm se dado bem neste jogo. Já as políticas de crescimento da renda baseadas em crédito e expansão de gasto público sem concomitante crescimento da produtividade são eliminadoras naturais de emprego industrial. O exemplo americano está diante de todos. As coisas são ainda piores quando os impostos são altos e a infra-estrutura ruim.

As políticas de crescimento da renda que ignoram esta regra de prudência e buscam a mágica da expansão do crédito e dos gastos públicos sempre terminam em colapso. Um aumento muito súbito da renda e do consumo induz a uma demanda por novos bens, serviços e por mais capitais para investimento. Não é raro que esta nova demanda só pode ser suprida por grandes importações de bens, serviços ou capitais, ameaçando a estabilidade das contas internacionais. Até o momento em que, por qualquer razão, o fluxo se inverte. Acabou de acontecer na Grécia.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Moeda fiduciária e corrupção coletiva

Para os que gostam de papers acadêmicos, o artigo de Thorsten Polleit (link abaixo) discute como toda uma sociedade pode ser convencida a apoiar políticas econômicas inconsistentes baseadas em expansão de crédito, de endividamento público ou de emissão imprudente de moeda.

Fiat Money and Collective Corruption

O boom chinês vai terminar?

Reproduzo artigo publicado no Valor em 08/02/2012. Jim Walker não é uma exceção no seu isolamento. Os economistas da escola austríaca ou por ela influenciados forma vistos no final do século XX quase como uma curiosidade, um exotismo. Mas a crise deflagrada em 2008 aumentou em muito a sua audiência pois as teorias tradicionais (keynesianas ou monetaristas) falharam completamente em prever, explicar e reduzir os efeitos do crash.


Isolado, economista escocês prevê queda de PIB chinês

Por Fernando Torres | De São Paulo
Goh Seng Chong/Bloomberg / Goh Seng Chong/BloombergJim Walker, diretor da Asianomics: os sinais estão em todos os lugares
Enquanto os economistas do mundo todo debatem se a China terá pouso leve ou forçado, Jim Walker demonstra não ter nenhuma dúvida. Para esse escocês, ex-economista do banco francês Crédit Lyonnais e hoje diretor da consultoria Asianomics, a conclusão é simples: "Economias não fazem pouso suave - nem na Ásia e nem em nenhum lugar. Economias ou simplesmente não pousam ou realizam pousos forçados", afirma o especialista, que trabalha em Hong Kong.
Praticamente isolado nessa posição excessivamente pessimista sobre a China, ele deixa claro do que está falando quando usa a expressão pouso forçado. Isso significa pelo menos um ano de queda do Produto Interno Bruto (PIB) numa comparação anual - ainda que os números oficiais do governo chinês não apontem isso.
"Nem os torcedores de carteirinha da China terão como negar a conclusão da ocorrência de um pouso forçado quando os preços das ações, os balanços dos bancos, os balanços das empresas e dados 'micros', como preço de residências e produção de energia, lhes disserem contrário."
Essa previsão, que consta de um relatório da Asianomics, foi feita por Walker em outubro, antes de o governo chinês começar a relaxar novamente sua política monetária - assim que a alta nos índices de preços deu uma trégua -, para tentar dar novo impulso à economia.
Procurado no fim de janeiro para saber se mudou seu prognóstico, ele foi enfático em manter não apenas a previsão, mas também a estimativa de que o pouso forçado ocorrerá num horizonte de 12 a 18 meses.
"O 'timing' está mantido. Os sinais da desaceleração econômica estão em todos os lugares - produção de aço em queda na comparação anual, ausência de negócios no setor imobiliário, exportações fracas, liquidez apertada no mercado interbancário, índice de gerentes de compras abaixo de 50 (o que indica retração da indústria) e empresas de logística perto de quebrar", disse Walker, por e-mail.
Segundo ele, o afrouxamento das condições de liquidez promovido pelo governo chinês é relativo. "A redução no depósito compulsório apenas permitiu que os empréstimos que estavam fora dos balanços dos bancos pudessem ser reapresentados como crédito oficial", afirmou.
Para chegar à conclusão de que a China viverá um período de retração da economia, Walker começa a análise pela expansão da disponibilidade de moeda e de crédito no país, que considera exagerada. Segundo a Asianomics, nos últimos três anos a China teve uma expansão nominal de crédito equivalente a 45% do PIB do ano anterior. Em um exemplo, se o PIB foi de 100 unidades em um ano, o total de empréstimos na economia teve incremento de 45 unidades no ano seguinte. E assim sucessivamente por três anos, entre 2009 e 2011. "Esses dados pintam o quadro de uma das mais gigantescas inflações da era moderna", disse.
Para efeito de comparação, ele cita que a expansão média anual do crédito ante o PIB do ano anterior ficou entre 20% e 30% nos EUA no período que antecedeu a crise do fim de 2008, para depois apontar retração de 3,5% em 2009 e ficar praticamente estagnada desde então. Walker argumenta que o crescimento excessivo da disponibilidade de recursos leva a más decisões de investimento, que se mostram viáveis apenas enquanto a bicicleta da alta do crédito e da inflação continua a girar.
Segundo o economista, muito desse dinheiro foi empregado na economia real, com construção de casas, universidades, distritos financeiros, estradas, ferrovias e pontes. "Entretanto, também não existe dúvida de que parte desse dinheiro e crédito foi para o preço de ativos - terrenos, casas, carvão, minério de ferro, cobre etc."
Já como resultado dessa "má alocação" de recursos, Walker ressalta que o PIB da China teve crescimento anual real de 9,2% a 10,4% entre 2008 e 2010. No período de 2003 a 2007, diz, quando a disponibilidade de dinheiro e crédito na economia subiam em linha com o PIB nominal, o avanço real da economia chinesa variou entre 10% e 14% ao ano.
De acordo com Walker, que cita o economista austríaco Friedrich Hayek, basta que a expansão monetária desacelere (ela nem mesmo precisa ter retração) para que os sintomas de recessão comecem a aparecer. Na China, diz, esse impacto aparecerá pelo canal do investimento. Walker lembra que a formação bruta de capital fixo (FBCF), um dos componentes do PIB sob a óptica da demanda, é muito mais volátil do que o PIB cheio, já que o consumo das famílias, outro item do PIB, bem mais estável, tende a funcionar como um amortecedor de suas variações. E aí ele tira uma conclusão óbvia dessa observação. "Quanto maior a participação do investimento no PIB, é mais provável que as variações do próprio PIB sejam mais voláteis e maiores entre o pico e o vale." Na China, o peso da FBCF fixo ficou perto de 48% do PIB nos anos de 2009 e 2010.
Walker admite que o governo autoritário do país pode traçar e pôr em prática um plano de construção de estradas e ferrovias na parte oeste da China, para tentar evitar a retração econômica. "Mas isso apenas vai se somar aos já existentes maus investimentos e tornar a perspectiva futura de crescimento econômico do país ainda menos interessante." Ele menciona ainda que já nos últimos anos o incremento adicional de aporte de capital necessário para se somar mais um dólar na produção está aumentando, o que indica perda de eficiência nos investimentos.
Em um exemplo, ele argumenta que o crescimento apoiado em investimentos no setor imobiliário, como visto mais recentemente, é pior do que uma expansão baseado na construção de fábricas. "Casas podem ser um bom lugar para morar, mas elas não produzem nada no dia seguinte", explica.
Como arma de Pequim contra a retração, ele cita a possibilidade de desvalorização da moeda, como feito em um momento de desaceleração da economia em 1994. Os efeitos colaterais seriam pressões políticas e inflação doméstica.