sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O que penso da greve na PUC-SP

Alguns alunos, colegas e amigos têm me perguntado sobre o movimento grevista na PUC-SP. Com vista a atender esse pedido, escrevo as considerações abaixo, que sintetizam a minha opinião.

1. Sou um defensor do direito à propriedade como um direito justo e importante para promover o bem-estar social, a democracia política e o direito à livre organização, inclusive à livre organização religiosa. Isto foi particularmente importante durante a ditadura militar, período no qual a propriedade privada da PUC pela Igreja permitiu que ela fosse um centro de resistência ao regime autoritário e local de abrigo a professores e intelectuais perseguidos.

2. Entendo que a PUC, ainda que num sentido amplo seja um patrimônio da humanidade e pertença a todos, no sentido estrito do exercício do direito à propriedade pertence à Fundação São Paulo e à Igreja Católica, quer apreciemos este fato ou não. 

3. O Estatuto em vigor prevê que o Arcebispo de São Paulo deve escolher o Reitor a partir de uma lista tríplice de candidatos elaborada pela comunidade. Entendo que o espírito do mecanismo da lista tríplice é filtrar os candidatos que são muito indesejáveis para a comunidade ou pouco aceitos na comunidade, preservando a escolha final pelo representante da Igreja. 

4. No período eleitoral, todos os três candidatos foram considerados legítimos. Ninguém pareceu vetar ninguém e a campanha foi limpa e até bastante cortês. Portanto, quando D. Odilo escolheu a Prof, Anna Cintra, o fez dentro da regra estatutária. Concluindo, trata-se de uma escolha perfeitamente legítima.

5. Legitima não quer dizer necessariamente a mais adequada. Pode-se criticar ou elogiar a escolha feita, pois isso faz parte da liberdade de opinião e expressão. Mas não acho correto pretender impor uma decisão ao Cardeal sob pretextos tais como o de que é a comunidade quem deve escolher (o que, tomado absolutamente, viola o direito à propriedade); que a tradição assim o manda (argumento conservador, meio esquisito até quando apresentado por "revolucionários" ou "progressistas") ou ainda que isso é a materialização de relações democráticas na Universidade (assunto que considero bastante discutível). 

6. Sendo assim, meu posicionamento pessoal é contrário ao movimento grevista. 

7. Embora eu discorde deste movimento, procurarei sempre respeitar opiniões e sentimentos dos que dele participam, já que não possuo monopólio da verdade e nunca posso saber exatamente quando estou certo ou errado. Mas, espero que tudo caminhe para um entendimento e uma solução satisfatória no mais breve prazo possível, poupando a Universidade de muitos e difíceis problemas.

terça-feira, 13 de março de 2012

Há uma bolha no Brasil?

SOBRE black blocs, justiceiros e a República de Weimar


Eu tenho alunos black blocs. Eles poderiam ser meus filhos. Eu sou pai, gosto de dar aulas, aprecio a juventude e faço amizades com meus alunos. O que eu venho dizendo aos meus alunos black blocs? Em primeiro lugar, que parem com isso. Constitui uma estupidez construir uma milícia de esquerda sem, em algum momento, abrir o caminho para o surgimento de uma milícia fascista. Eu gostaria de poder interromper livremente os assuntos do programa escolar para lhes prevenir o quão terríveis são as milícias de direita e as desgraças que elas já causaram. Eu apelaria para que não despertassem monstros adormecidos. Tenho sugerido que utilizem os métodos democráticos, que escrevam textos, façam reuniões, comícios e passeatas. Que fundem partidos políticos como a minha geração fez. Tenho contado a eles a experiência da guerrilha urbana e mostrado quanto sacrifício foi feito para marcar um gol contra. Insisto que não se devem esquecessem dos livros, pois todo idealismo é passível de degenerar em barbárie quando não é esclarecido.

Eu não tenho amigos justiceiros. Acho que não tenho, pois é óbvio que um justiceiro nunca se apresentaria como tal. Será que eu poderia ter amigos justiceiros? Talvez, afinal eu tenho amigos liberais, conservadores, trotskistas, socialdemocratas, libertários, católicos ultramontanos e progressistas, judeus liberais e religiosos, evangélicos, gays e maconheiros entre outros. Talvez, me esforçando um pouco, eu conseguisse compreender a mentalidade de um policial honesto, vendo-se cercado por todos os lados e ainda combatido duramente por parte da sociedade pela qual arrisca a sua vida. Talvez assistisse Tropa de Elite para tentar entendê-lo.

Se eu tivesse esse amigo justiceiro eu lhe diria o que foi o nazismo e o fascismo e os horrores que geraram. Eu tentaria lhe mostrar no que deram todas as tentativas de impor a ordem social por meios autoritários. Eu lhe diria para confiar apenas na democracia. Que não dispomos de nada melhor para manter a ordem social com o mínimo de custo em termos de vidas e de liberdades individuais. Diria que o crime pode e deve ser combatido com sucesso por uma polícia profissional.

Tanto para o meu aluno black bloc quanto para o meu amigo imaginário justiceiro eu gostaria de contar a história da República de Weimar. Explicaria que na Alemanha, depois da derrota na Primeira Guerra, a monarquia acabou e nasceu a tal República de Weimar. Ela despertou grandes esperanças, mas foi logo sacudida pela crise econômica e pela hiperinflação. Terminou sendo a República que ninguém defendeu e deu lugar ao mais criminoso regime político que já existiu: o III Reich.

Duas forças foram as responsáveis diretas pela desestabilização política do país: os comunistas e os nazistas. Os comunistas partiram para uma luta direta pela revolução, recusaram-se a colaborar com os socialdemocratas, com os quais poderiam ter formado um governo conjunto! Eles preferiram fazer uma intensa campanha classificando os socialdemocratas como “socialfascistas” e realizaram ações para desestabilizar o seu governo. Qualquer semelhança com PSOL, PSTU, PCO e black blocs é mero atraso histórico.  Do outro lado, os nazistas foram ganhando apoio, entre outras coisas, porque eram os únicos que conseguiam enfrentar os comunistas na luta de rua. Os argumentos, os livros, os debates, os comícios passaram a valer cada vez menos. Importantes eram os jovens fortes, cheios de músculos e testosterona, dispostos a dar a vida por uma utopia social, que, invariavelmente, terminou na catástrofe humanitária do fascismo ou do comunismo.

Aqui temos alguns complicadores com relação a Weimar. O governo socialdemocrata não é lá muito anjinho. Parte dele quer controlar a imprensa, parte quer revanche contra os militares, parte quer atacar o direito de propriedade e há uma tendência generalizada a quebrar e ignorar regras para uma competição eleitoral justa. Para complicar, há uma tolerância infinita à corrupção e um profundo ressentimento social quanto a isso. Não bastasse, podemos ter pela frente uma crise econômica.


A violência política não se generalizou no Brasil. Ainda. Vamos todos recuar um passo. Todos temos tempo para recuar. Não há outra atitude humana a tomar. Justiceiros agem fora da legalidade. Podemos compreender, mas não muda o fato de que é um crime com punições duras já previstas na lei. As penas existem para ser aplicadas. Mas a mesma mão dura que deve cair sobre os justiceiros deve pesar também sobre os black blocs. Eles que recuem a tempo, que saiam de costas fingindo que estão entrando, repensem, mudem seus métodos e reapareçam sem máscaras e com textos, panfletos, jornais, discursos e convocando suas reuniões. A polícia deve agir com transparência e absoluto respeito à lei e normas profissionais democráticas. Se Weimar cair, seja maldito todo aquele que não a defendeu.

terça-feira, 6 de março de 2012

O tsunami que pode afogar os keynesianos

A presidente Dilma tem reclamado insistentemente do tsunami monetário desencadeado pelos países desenvolvidos. Não sem razão. Desde que a crise estourou, há quatro anos, os bancos centrais dos Estados Unidos, União Européia, Reino Unido e Japão criaram US$ 8,8 trilhões em moeda nova. Representa uns PIBs do Brasil. Esta injeção ocorreu, essencialmente, para socorrer bancos ameaçados por devedores inadimplentes, sejam eles compradores de casas nos Estados Unidos ou Estados europeus.

Mas, por que os bancos centrais (ou seja, os próprios Estados) deveriam se preocupar em socorrer bancos? Segundo as regras capitalistas não deveria falir aquele que fez maus investimentos? Como justificar que os lucros (altos) dos bancos sejam assunto privado quando as coisas vão bem e assunto público quando há um grande prejuízo a ser socializado? Para tranquilidade dos leigos, há teorias econômicas que explicam isto. Do ponto de vista da teoria keynesiana, por exemplo, uma crise bancária geral causaria uma longa depressão econômica. Nesta ótica, o socorro aos bancos é justificado como medida de utilidade pública. Os trilhões derramados protegeriam não apenas os bancos, mas toda a economia, mesmo que esses trilhões sejam derramados enquanto os americanos perdem suas casas e os gregos os seus empregos. Um keynesiano diria que as coisas seriam ainda piores sem o socorro aos bancos.

Entretanto, o mesmo tsunami keynesiano que, teoricamente, salva as economias desenvolvidas promove algumas maldades pelo mundo afora. Os que recebem esses recursos pagando juros baixíssimos, sempre resolvem fazer um dinheirinho extra aplicando em países emergentes, nos quais os juros são muito mais altos. Entre estes países, a moda do momento é o Brasil. O tsunami de socorro bancário mundial vira, no Brasil, um tsunami de entrada de capital estrangeiro.

Na fase do ciclo em que o capital começa a entrar, ocorre um súbito milagre. Como há mais dinheiro no país, os juros caem, o crédito aumenta, o consumo cresce e o investimento o segue. O desemprego diminui e o poder de barganha dos trabalhadores aumenta. Os preços sobem, sobretudo dos serviços e dos bens que não podem ser importados, o que prejudica alguns, mas beneficia muitos outros.

Como tudo na vida tem um lado chato, a entrada de moeda estrangeira faz cair o dólar. O resultado é que nossas exportações industriais sofrem com o câmbio valorizado. O risco passa a ser um déficit nas contas externas. Mas, felizmente, no caso do Brasil os exportadores de minérios e o agro-negócio beneficiam-se com o crescimento asiático e o boom que ele provoca nos preços desses bens, compensando amplamente os efeitos negativos do câmbio. Mas o consumidor pode se deliciar com o consumo de importados e com as viagens internacionais, finalmente acessíveis a quase todos. A classe média cresce. Os industriais ficam um pouco aborrecidos com o problema do câmbio mas, como o mercado interno está em expansão, sempre se acha um jeito. E quase todos estão felizes.

O resultado político é majestoso. O governo é bem avaliado e tido como responsável por tudo. A oposição definha, fica intimidada, sem discurso e sem projeto. Uns poucos radicais começam a sonhar com hegemonia absoluta, o que é muito engraçado, porque o fato gerador dessa autoconfiança inesperada é a entrada de capital "imperialista".

Mas, conforme o ingresso de capitais vira invasão desenfreada, os problemas vão ficando mais evidentes enquanto os benefícios, aos poucos, desaparecem. Profissionais podem surfar ondas difíceis, inacessíveis aos mortais comuns, como devem ser as do Havai. Mas eles não podem surfar tsunamis.

Diante do tsunami, o governo dá sinais de nervosismo. Neste sentido, os jornais desta terça (06/03/2012) estiveram mesmo muito interessantes. A presidente Dilma culpa os países desenvolvidos pelo baixo crescimento do PIB brasileiro. Ela tem alguma razão, embora tenha, no passado, se esquecido de agradecer esses países e seus bancos centrais pela ajuda involuntária na sua própria eleição. Em 2010, o PIB brasileiro cresceu 7,5% impulsionado, entre outras coisas, pela então onda havaiana de investimento internacional.

Melhor ainda é a resposta/pergunta de Angela Merkel diante das queixas apresentadas pela presidente Dilma: "O que você gostaria que fizéssemos?". A presidente Dilma, no passado recente, pontificou sobre o tema: usar a política fiscal, algo como um grande bolsa família. Mas, a recomendação de relaxar a política fiscal não constou da resposta que Dilma deu a Merkel desta vez. Como sugerir que países como Grécia, Portugal, Espanha, Itália, França e outros aumentem gastos públicos ou reduzam impostos, se as suas dívidas são, nos dias de hoje, o centro do problema?

Nesta conversa, a presidente Dilma ficou diante de um dilema de coerência capaz de causar uma boa dissonância cognitiva. Se resolver preservar a boa doutrina keynesiana, nada há de muito fundamental a criticar no que os bancos centrais dos países desenvolvidos fizeram. Problemas de procedimentos, velocidade de esterilização e outros detalhes técnicos que são menores diante do acerto fundamental do socorro para evitar depressão. O outro caminho seria abandonar a perspectiva keynesiana (tão cara aos economistas petistas e tão constitutivas do seu pensamento) para que sua crítica fosse consistente.

Se bem conheço políticos profissionais, sei que escolhas eles fazem quanto têm que optar entre o valor intrínseco das idéias ou a conquista de votos e do poder. Nem sei se devemos reclamar disso pois, possivelmente, os políticos não seriam bons no que fazem se não agissem assim. Consequentemente, os keynesianos têm motivos para preocupações, pois o seu capital intelectual poderá sofrer uma grande desvalorização muito em breve.

O professor Belluzzo, que é um dos keynesianos mais importantes e respeitados, publicou um artigo no Valor no qual diz que "...Keynes jamais receitou déficits a torto e a direito." Sim, é verdade. Mas não tenho nenhuma lembrança importante de um keynesiano de boa cepa recomendando austeridade fiscal. Eu me pergunto, neste exato momento, qual seria a recomendação do professor Belluzzo aos governos europeus? Austeridade? Eu adoraria que ele dissesse isso.

Keynesianos geralmente propõem a teoria de que a poupança é um resíduo macroeconômico, determinado, basicamente, pelo quanto se investe. Crescimento se faria não com poupança (que até mesmo o destrói), mas com crédito, fomento estatal, emissão monetária, déficit público, expansão de moeda e endividamento público e privado, interno e externo. Os historiadores do futuro terão que esclarecer seus contemporâneos sobre a relação entre estas idéias e o ponto a que chegamos.

Eu confesso que sempre tive muita dificuldade com tudo isso. Não que lembro em que momento faltou demanda agregada em 2007 ou 2008 para a crise começar. O que me lembro é que havia uma euforia desenfreada de crédito e consumo que acabou, meio subitamente, quando a bolha imobiliária estourou. Ah, sim, disseram-me que foi a falta de regulação... Boa regulação é importante, mas foi por falta de regulação que os Estados (assim, com letras maiúsculas, como gostam hegelianos e keynesianos) europeus se endividaram em demasia?

Chegamos a uma situação na qual nós, economistas, faríamos um grande bem à sociedade se aceitássemos reexaminar nossas teorias. Claro que isso implica reconhecer alguma desvalorização no capital intelectual acumulado ao longo de muitos anos de estudo. Mas, sempre que alguém investe na direção errada, perde capital. Tanto faz se a direção errada foi uma casa super-avaliada, um título público que não será pago ou uma teoria que vai perecer. Os economistas acumularam muitos e variados conhecimento úteis e geniais, mas alguma tralha pode ter vindo junto. Capitais assim perdidos não viram poupança social de tipo algum. Mas as casas ainda estão lá, os países e seus povos também e temos muito conhecimento econômico para lidar com os problemas. Seria prudente começar por alguma faxina nos balanços dos bancos, no dos governos e nas nossas idéias econômicas.



quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Há algo de especial na Alemanha


Quando a Segunda Guerra acabou, em 1945, a Alemanha era um país destruído. Aliás, nem era um país pois não possuía governo próprio e estava dividida em quatro áreas de ocupação militar estrangeira. Desses quatro governos militares emergiram dois países diferentes, um deles uma ditadura comunista. Menos de setenta anos depois, a Alemanha está reunificada e parece ser o país desenvolvido mais bem sucedido e adaptado ao desafio chinês. Sua economia, há muito tempo uma das maiores do mundo, vem conseguindo gerar alto padrão de vida para a população sem perder sua competitividade.

No mundo globalizado, para ganhar bem e impedir que o seu emprego migre para a China é preciso ser muito produtivo. A Alemanha consegue isso por alguns fatores relevantes. O mais óbvio deles é a disponibilidade de recursos: há trabalhadores capacitados e há empresários com experiência. Menos óbvio é o papel das instituições e, nesse campo, os alemães parecem estar um passo à frente.

Após construir uma reputação de país praticante da austeridade fiscal e monetária, a Alemanha hoje colhe os frutos da sua prudência. Como os aumentos salariais foram comedidos e a produtividade subiu constantemente, os empregos industriais vêm se mantendo, mesmo diante dos baixos custos chineses. O mesmo não se pode dizer de outros países (desenvolvidos ou não) nos quais o consumo se expandiu acima da produtividade. A mágica é possível por alguma das seguintes medidas ou por um coquetel delas:  1) expansão do crédito; 2) aumento dos gastos públicos; 3) manutenção do câmbio valorizado e 4) aumento da oferta de moeda.

As quatro medidas mencionadas têm em comum o fato de aumentar a renda das pessoas sem que elas precisem tornar-se mais produtivas na mesma medida. Parece milagroso e o governo que age assim geralmente conquista grande popularidade. O problema são os resultados no longo prazo. Pois a expansão do crédito endivida parte da população e expõe os bancos, o aumento dos gastos públicos aumenta a dívida pública ou os impostos, (o que reduz renda e consumo) e todas as quatro juntas pioram as contas externas. Pois mais renda significa, automaticamente, maior importação de bens e serviços.
As democracias parecem ter uma propensão para essas políticas econômicas arriscadas. Aumentar a renda, mesmo aumentando dívidas e riscos, é sempre popular. Os eleitores nem sempre compreendem todas as implicações de longo prazo das medidas. Não fica claro para quase ninguém que um aumento exagerado das rendas hoje será uma crise externa uns quinze anos depois.
         Não conheço tão bem a Alemanha, mas não consigo evitar de pensar que os países, assim como as pessoas, devem aprender com os seus erros. Depois de passar por doze anos de ditadura nazista e, uma parte do país viver os outros quarenta e cinco sob ditatura comunista, creio que os alemães desenvolveram alguns anticorpos para credos políticos que prometem o paraíso em suaves prestações. Sabem, por experiência, que é melhor o estado fazer só a sua parte e que seja não apenas democrático mas também não-gastador e não-emissor irresponsável de moeda. Talvez a austeridade fiscal e monetária só seja possível na Alemanha porque não é fácil iludir com promessas mágicas de riqueza de curto prazo, ainda que garantidas por uma religião social nacionalista ou socialista.
         Adicionalmente, se os políticos nada ganham proclamando algum evangelho social perante um eleitorado vivido e realista, o que lhes resta é competir sobre quem tem a melhor filosofia de gestão. Mas, se os políticos competem assim, devidamente restringidos, toda a sociedade ganha, pois os cidadão têm melhores serviços públicos e os empresários contam com ambiente de negócios, infraestrutura e instituições adequadas. Os próprios políticos honestos ganham porque não precisam lidar com adversários populistas.
         Eu desejo ardentemente que nenhum pais precise passar pelo que passou a Alemanha para alcançarem tal sabedoria. As crises dos Estados Unidos e da Grécia poderiam bastar.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Brasil de volta ao protecionismo

As consequências da política econômica da era PT começam a ficar claras. Hoje o jornal noticia que o Brasil acaba de pedir à China que reduza voluntariamente as suas exportações. Com medidas como essa, estamos voltando ao protecionismo, assustados com a re-especialização agro-mineral das exportações brasileiras. O recente desenvolvimento desse perfil exportador é um fato explicado em qualquer manual introdutório de teoria econômica. As economias exportam os bens nos quais possuem custos (relativos) menores, abundância (relativa) de insumos ou vantagens de escala, fora o caso de algum produto com diferenciação notória, como o vinho francês, por exemplo. Os bens e serviços que tem as características inversas, serão importados, sempre que isso seja possível. A teoria econômica prevê (e acerta)  que o Brasil teria sua especialização em minérios, produtos agrícolas, indústrias muito ligadas à agricultura, como bebidas e alimentos e alguns setores para os quais haja vantagens de escala (como o automobilístico ou aeroespacial). Para a China, abundante em trabalho de baixa qualificação e escassa (relativamente) em recursos naturais, a indústria é a vocação natural.

Mas, reagir a este fato com uma recaída na política protecionista é um grave erro, com consequências nefastas. Os impactos negativos serão muitos: 1) os produtos ficarão mais caros, quer venham a ser oferecidos por fabricantes nacionais ou importados; 2) pagando mais caro, os consumidores desses produtos terão menos renda para outros produtos ou serviços; 3) empresas terão seus custos de produção aumentados quando comprarem importados; 4) criação de um mercado protegido para produtos de menor qualidade incapazes de competir na economia mundial; 5) desvio da energia de muitas empresas para a atividade lobística. Para que se entenda como este último item pode ser nefasto, vamos lembrar que, se o governo arbitra quais setores serão protegidos, as empresas ficarão motivadas s gastar com advogados e políticos para obter proteção, desviando recursos que em outro ambiente seriam usados para inovar, reduzir custos ou melhorar qualidade. As pessoas mais velhas ainda lembram-se do nosso mercado protegido no qual a qualidade dos produtos era baixa e os preços, bem os preços subiam todos os dias...

A única política eficiente para defender um setor industrial passa por contar com trabalhadores que trabalhem a um custo viável. O que quero dizer pode ser mais bem explicado por um exemplo: se no país A um trabalhador produz 10 unidades por hora enquanto do país B outro trabalhador produz só 1, uma multinacional será indiferente entre pagar US$ 10 ao trabalhador de A ou US$ 1 ao trabalhador de B, porque nos dois casos o custo de produzir 1 unidade do bem terá sido um US$1. Mas o trabalhador de A perde seu emprego se cobrar US$ 10 e produzir apenas 9, tanto quando o trabalhador de B perde o seu se continuar a produzir 1, mas quiser receber US$ 1,50.

A conclusão é que para melhorar de renda e ainda manter o emprego industrial é preciso que o aumento de renda seja acompanhado de aumento da produtividade. Esse caminho para um povo enriquecer é duro, pois tudo nele é trabalho, estudo, disciplina, persistência e comedimento. Os alemães têm se dado bem neste jogo. Já as políticas de crescimento da renda baseadas em crédito e expansão de gasto público sem concomitante crescimento da produtividade são eliminadoras naturais de emprego industrial. O exemplo americano está diante de todos. As coisas são ainda piores quando os impostos são altos e a infra-estrutura ruim.

As políticas de crescimento da renda que ignoram esta regra de prudência e buscam a mágica da expansão do crédito e dos gastos públicos sempre terminam em colapso. Um aumento muito súbito da renda e do consumo induz a uma demanda por novos bens, serviços e por mais capitais para investimento. Não é raro que esta nova demanda só pode ser suprida por grandes importações de bens, serviços ou capitais, ameaçando a estabilidade das contas internacionais. Até o momento em que, por qualquer razão, o fluxo se inverte. Acabou de acontecer na Grécia.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Moeda fiduciária e corrupção coletiva

Para os que gostam de papers acadêmicos, o artigo de Thorsten Polleit (link abaixo) discute como toda uma sociedade pode ser convencida a apoiar políticas econômicas inconsistentes baseadas em expansão de crédito, de endividamento público ou de emissão imprudente de moeda.

Fiat Money and Collective Corruption

O boom chinês vai terminar?

Reproduzo artigo publicado no Valor em 08/02/2012. Jim Walker não é uma exceção no seu isolamento. Os economistas da escola austríaca ou por ela influenciados forma vistos no final do século XX quase como uma curiosidade, um exotismo. Mas a crise deflagrada em 2008 aumentou em muito a sua audiência pois as teorias tradicionais (keynesianas ou monetaristas) falharam completamente em prever, explicar e reduzir os efeitos do crash.


Isolado, economista escocês prevê queda de PIB chinês

Por Fernando Torres | De São Paulo
Goh Seng Chong/Bloomberg / Goh Seng Chong/BloombergJim Walker, diretor da Asianomics: os sinais estão em todos os lugares
Enquanto os economistas do mundo todo debatem se a China terá pouso leve ou forçado, Jim Walker demonstra não ter nenhuma dúvida. Para esse escocês, ex-economista do banco francês Crédit Lyonnais e hoje diretor da consultoria Asianomics, a conclusão é simples: "Economias não fazem pouso suave - nem na Ásia e nem em nenhum lugar. Economias ou simplesmente não pousam ou realizam pousos forçados", afirma o especialista, que trabalha em Hong Kong.
Praticamente isolado nessa posição excessivamente pessimista sobre a China, ele deixa claro do que está falando quando usa a expressão pouso forçado. Isso significa pelo menos um ano de queda do Produto Interno Bruto (PIB) numa comparação anual - ainda que os números oficiais do governo chinês não apontem isso.
"Nem os torcedores de carteirinha da China terão como negar a conclusão da ocorrência de um pouso forçado quando os preços das ações, os balanços dos bancos, os balanços das empresas e dados 'micros', como preço de residências e produção de energia, lhes disserem contrário."
Essa previsão, que consta de um relatório da Asianomics, foi feita por Walker em outubro, antes de o governo chinês começar a relaxar novamente sua política monetária - assim que a alta nos índices de preços deu uma trégua -, para tentar dar novo impulso à economia.
Procurado no fim de janeiro para saber se mudou seu prognóstico, ele foi enfático em manter não apenas a previsão, mas também a estimativa de que o pouso forçado ocorrerá num horizonte de 12 a 18 meses.
"O 'timing' está mantido. Os sinais da desaceleração econômica estão em todos os lugares - produção de aço em queda na comparação anual, ausência de negócios no setor imobiliário, exportações fracas, liquidez apertada no mercado interbancário, índice de gerentes de compras abaixo de 50 (o que indica retração da indústria) e empresas de logística perto de quebrar", disse Walker, por e-mail.
Segundo ele, o afrouxamento das condições de liquidez promovido pelo governo chinês é relativo. "A redução no depósito compulsório apenas permitiu que os empréstimos que estavam fora dos balanços dos bancos pudessem ser reapresentados como crédito oficial", afirmou.
Para chegar à conclusão de que a China viverá um período de retração da economia, Walker começa a análise pela expansão da disponibilidade de moeda e de crédito no país, que considera exagerada. Segundo a Asianomics, nos últimos três anos a China teve uma expansão nominal de crédito equivalente a 45% do PIB do ano anterior. Em um exemplo, se o PIB foi de 100 unidades em um ano, o total de empréstimos na economia teve incremento de 45 unidades no ano seguinte. E assim sucessivamente por três anos, entre 2009 e 2011. "Esses dados pintam o quadro de uma das mais gigantescas inflações da era moderna", disse.
Para efeito de comparação, ele cita que a expansão média anual do crédito ante o PIB do ano anterior ficou entre 20% e 30% nos EUA no período que antecedeu a crise do fim de 2008, para depois apontar retração de 3,5% em 2009 e ficar praticamente estagnada desde então. Walker argumenta que o crescimento excessivo da disponibilidade de recursos leva a más decisões de investimento, que se mostram viáveis apenas enquanto a bicicleta da alta do crédito e da inflação continua a girar.
Segundo o economista, muito desse dinheiro foi empregado na economia real, com construção de casas, universidades, distritos financeiros, estradas, ferrovias e pontes. "Entretanto, também não existe dúvida de que parte desse dinheiro e crédito foi para o preço de ativos - terrenos, casas, carvão, minério de ferro, cobre etc."
Já como resultado dessa "má alocação" de recursos, Walker ressalta que o PIB da China teve crescimento anual real de 9,2% a 10,4% entre 2008 e 2010. No período de 2003 a 2007, diz, quando a disponibilidade de dinheiro e crédito na economia subiam em linha com o PIB nominal, o avanço real da economia chinesa variou entre 10% e 14% ao ano.
De acordo com Walker, que cita o economista austríaco Friedrich Hayek, basta que a expansão monetária desacelere (ela nem mesmo precisa ter retração) para que os sintomas de recessão comecem a aparecer. Na China, diz, esse impacto aparecerá pelo canal do investimento. Walker lembra que a formação bruta de capital fixo (FBCF), um dos componentes do PIB sob a óptica da demanda, é muito mais volátil do que o PIB cheio, já que o consumo das famílias, outro item do PIB, bem mais estável, tende a funcionar como um amortecedor de suas variações. E aí ele tira uma conclusão óbvia dessa observação. "Quanto maior a participação do investimento no PIB, é mais provável que as variações do próprio PIB sejam mais voláteis e maiores entre o pico e o vale." Na China, o peso da FBCF fixo ficou perto de 48% do PIB nos anos de 2009 e 2010.
Walker admite que o governo autoritário do país pode traçar e pôr em prática um plano de construção de estradas e ferrovias na parte oeste da China, para tentar evitar a retração econômica. "Mas isso apenas vai se somar aos já existentes maus investimentos e tornar a perspectiva futura de crescimento econômico do país ainda menos interessante." Ele menciona ainda que já nos últimos anos o incremento adicional de aporte de capital necessário para se somar mais um dólar na produção está aumentando, o que indica perda de eficiência nos investimentos.
Em um exemplo, ele argumenta que o crescimento apoiado em investimentos no setor imobiliário, como visto mais recentemente, é pior do que uma expansão baseado na construção de fábricas. "Casas podem ser um bom lugar para morar, mas elas não produzem nada no dia seguinte", explica.
Como arma de Pequim contra a retração, ele cita a possibilidade de desvalorização da moeda, como feito em um momento de desaceleração da economia em 1994. Os efeitos colaterais seriam pressões políticas e inflação doméstica.